Raquel é a primeira transgênero de Santópolis a mudar nome e sexo na certidão de nascimento


Funcionária pública diz que próximo passo é oficializar seu casamento e antecipa que não tem interesse em fazer cirurgia para mudança de sexo

12/11/2018 17:11 - Atualizado em 16/07/2020 22:10 | Por: Otávio Manhani

Otávio Manhani/Jornal Comunicativo

Raquel mostra sua certidão de nascimento com as alterações

Raquel Ercílio Antunes de Souza, 38 anos, moradora de Santópolis do Aguapeí, é a primeira transgênero da cidade a conseguir mudar seu nome e o sexo na certidão de nascimento. O documento foi emitido pelo Cartório de Registro Civil do município no último dia 22 de outubro.

Com a mudança, Raquel também regularizou os demais documentos, como RG, CPF e a carteira profissional do Coren-SP (Conselho Regional de Enfermagem do Estado de São Paulo), os quais ficaram prontos no início de novembro.

Com todos os documentos já alterados, Raquel diz que o próximo passo é oficializar seu casamento. Ela está em uma união estável desde fevereiro de 2016 com um garçom de 22 anos. Ambos moram juntos com a avó paterna de Raquel, a qual tem 98 anos e é a mulher mais velha da cidade.

Raquel, que é funcionária pública da Prefeitura de Santópolis do Aguapeí há 17 anos e trabalha como técnica em enfermagem no Pronto Atendimento do município, adianta que não tem interesse em fazer cirurgia para mudança de sexo. “Sou feliz assim”, afirma.

As pessoas transgêneros passaram a ter a opção de troca de nome e gênero desde junho deste ano. Os procedimentos para a mudança foram definidos em regulamentação feita pela Corregedoria do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) estabelecendo que os interessados podem solicitar as alterações nos cartórios de todo o país sem a presença de advogados ou de defensores públicos.

Por meio do Provimento nº 73/2018, a Corregedoria do CNJ também definiu que as alterações poderão ser feitas sem a obrigatoriedade da comprovação da cirurgia de mudança de sexo ou de decisão judicial.

SEM PRECONCEITO

Raquel acredita ser uma pessoa privilegiada quando o assunto é preconceito. Ela garante que até hoje jamais foi hostilizada na cidade onde nasceu e sempre residiu.

“Sempre estudei em escolas públicas do município e não me recordo de nenhuma situação constrangedora. Até hoje nunca tive nenhum problema em meu ambiente de trabalho. Me sinto uma pessoa respeitada, e isso é muito gratificante pra mim”, declara a técnica em enfermagem.

Ela conta, ainda, que, aos 16 anos, trabalhou no corte de cana-de-açúcar e, dois anos depois, conseguiu emprego em uma fábrica de calçados. Foi nessa época, aos 18 anos, que saiu da casa dos pais para morar e cuidar de sua avó paterna.

“É claro que já aconteceu de vez ou outra alguém fazer alguma menção ou piada sobre mim. Mas esses tipos de atitudes nunca me incomodaram. Não considero isso como uma ofensa, tampouco me agride. O importante é ter bom caráter”, ressalta.

ACEITAÇÃO

A funcionária pública menciona que a aceitação de seus familiares foi muito importante tanto na época de adolescente, quando assumiu sua homossexualidade, quanto agora, que decidiu acrescentar o nome Raquel em seus documentos.

“Saber que sou aceita do jeito que sou por meus familiares é gratificante. Isso me fortalece e me motiva”, declara a técnica em enfermagem ao se referir dos pais e de seus dois irmãos e duas irmãs.

A primeira transgênero de Santópolis do Aguapeí também diz que uma amiga sua da cidade pretende mudar o nome em seus documentos em breve.

MANTEVE O NOME

Raquel conta que sempre teve interesse em mudar seu nome nos documentos. “Eu já utilizava o nome social onde trabalho. Mas ao assistir uma reportagem na televisão de que uma nova lei brasileira autorizava a mudança de nome e sexo nos documentos, fui procurar saber”, explica.

Para ela, esta regulamentação na lei possibilitou uma realização que tanto almejava. “Era o que estava me faltando. Se pudesse, teria modificado meu nome anteriormente. Mas antes o procedimento era muito burocrático”, diz.

Na verdade, Raquel frisa que não mudou seu nome de batismo, mas, sim, acrescentou. Seu nome de batismo é Ercílio Antunes de Souza. “O que fiz foi apenas colocar o nome Raquel antes do meu nome de batismo”, justifica.

“Não modifiquei meu nome em respeito aos meus pais. Eles não me pediram isso, mas tenho comigo que é uma forma de gratidão a eles. Minha mãe se emocionou ao ver que eu não mudei meu nome na nova certidão; que apenas acrescentei Raquel a ele”, ressalta.

POR QUE RAQUEL?

Antes de adotar o nome Raquel, o então adolescente Ercílio foi coreógrafo de uma fanfarra da cidade. Foi nesta época que diz ter se identificado com uma garota que integrava o grupo. E adivinha o nome dela: Raquel.

“Desde aquela época eu já dizia que se algum dia pudesse mudar de nome, que escolheria o nome Raquel. E que bom que este dia chegou”, comemora.

No entanto, ela diz que utiliza o nome Raquel desde os 18 anos e que são raras as pessoas que ainda a chamam pelo nome de batismo. “Embora eu me apresente como Raquel há 20 anos, este nome, de fato, me pertence agora, ao incluí-lo em meus documentos”, finaliza.